quarta-feira, 14 de abril de 2010

PRINCÍPES E PRINCESAS - MICHEL OCELOT





Michel Ocelot por MANUELA DINIZ CHACON*

O passado remoto e o futuro distante são por essência recordações e almejos da humanidade que cruzam a linha entre realidade e fantasia de certa forma, sob um viés metalingüístico.

O extraordinário em se pensar nesses dois extremos, agora no contexto da representação cinematográfica, é que ao se conjecturar sobre tempos tão remotos hisoricamente ou a conjuntura futurista distante no imaginário da mente, torna-se impossível pensar no ambiente, no rosto das pessoas, suas roupas e sua arquitetura de forma a garantir fidelidade de representação ou uma estética realista que satisfaça as fantasias de todas as pessoas.

Arriscando uma representação ‘realista’ fundamentada em pesquisas históricas (no caso do passado remoto), ainda pode-se correr o risco de desapontar o espectador, ou de cair em uma falha ainda pior, que seria a de representar algo completamente destoante da atmosfera necessária, mesmo que com reproduções fiéis. Essa ‘perda de eixo’, deve-se ao fato de que passados remotos e futuros distantes são por excelência, fantasias abstratas nas mentes de quem vive o contemporâneo.

Histórias de príncipes e princesas constituem na maioria das vezes certos estereótipos que geram uma leve identificação na mente de quem assiste. Nesses estereótipos podemos observar a predominância do modelo de contos de fada europeus. Onde os cenários são constituídos de bosques esverdeados e exuberantes, lagos cristalinos e castelos iluminados. Os personagens, por sua vez, são princesas louras de olhos claros com longos vestidos em cores claras. De rostos e mãos delicadas e singelas essas personagens também exibem apetrechos de certa forma estilizados para combinarem, por exemplo, com os das Barbies dos dias de hoje. Já os ambientes, geralmente são compostos de dois extremos: os dos mocinhos e dos vilões. Os bosques onde os passarinhos cantam e os castelos onde todos os servos estão satisfeitos em comprazer os soberanos. Já no viés oposto, os ‘maus’ estão nas florestas enfeitiçadas, nos bosques de espinhos e nos castelos escuros no alto de montanhas de pedra. Faz-se importante, em primeiro momento pontuar essa forma de representação dos contos de fada, porque esta é a mais popular que vem sendo propagada ao longo de décadas.

Mas é inegável para os apaixonados por contos de fada, que as lacunas mais estreitas no imaginário infantil, e também no imaginário dos adultos afeiçoados ao tema clamam por detalhes não mais fiéis, porém mais significativos ou profundos.

É provável que o verdadeiro profundo, a verdadeira fonte de identificação e sentimento de qualquer espécie, venha do desconhecido. Para dissertar sobre o filme Princês e Pincesses, ou Príncipes e Princesas, de Michel Ocelot, torna-se necessário, novamente abordar os dois espaços de tempo onde a historia transcorre. O passado remoto e o futuro distante. Como já foi colocado, trata-se de dois tempos que transcendem o imaginário e as fontes geradoras de fidelidade na representação.

Sendo assim, seria pertinente encarar as realidades deste tempo que aconteceu e foi apagado e do tempo que ainda irá acontecer e por isso ainda é complemente desconhecido, como sombras. E sombras são exatamente o cerne, o grande ponto da obra de Ocelot. Produzir uma animação de silhuetas já consiste por si só, sobre ponto de vista estético, em um diferencial do que normalmente se veicula, mas produzir essa técnica de animação em um contexto de historias de Príncipes e Princesas que transcende tempo e imaginário torna-se genial, pois oblitera a possibilidade de errar acerca da atmosfera peculiar do passado e do futuro.

Para explicar melhor é necessário entender o enredo do filme. Trata-se de uma menina e um menino que contando com a ajuda de um velho técnico desempregado encenam grande quantidade de histórias sobre príncipes e princesas em um teatro de sombras. Nessas historias, eles percorrem o mundo mostrando as belezas do antigo Egito, a poesia japonesa e seu toque de perversidade, o romantismo europeu e as fantasias de séculos futuros.

A técnica das silhuetas animadas é talvez o que confere o sucesso da produção, pois a partir da ‘incompletude’ (o termo incompletude aqui, é usado para denotar a não utilização do desenho tradicional) das figuras, mantém-se o mistério. Através das silhuetas que não exibem os detalhes dos rostos, a cor das roupas e outros pormenores, mantém-se acesa a chama do suspense e o encanto do desconhecido. Desconhecido esse que é inerente aos tempos retratados no filme. Assim, a animação Princripes e Princesas, torna-se mais verossímil do que as animações da Disney, que exibem até mesmo o brilho nos olhos das princesas quando estas avistam os príncipes.

A animação de silhuetas também deixa todas as cores mais escuras e o contrate intenso, tendo em vista que os tempos remotos eram tempos sóbrios e obscuros, confere um tom ligeiramente surrealista à produção. O resultado estético sombrio e ao mesmo tempo encantado confere mais verossimilhança a príncipes e princesas do que animações como ‘Branca de Neve’ ou ‘Cinderela’, que praticamente conferem uma modernização estética.

Por fim, resta falar que mesmo com a obscuridade dos recortes e a lacuna que se abre ao imaginário do expectador, certos detalhes das silhuetas são tão fantasticamente bem feitos que o espectador pode visualizar aspectos como as coroas das rainhas, os enfeites nos vestidos das princesas e as folhas das plantas.


Sobre Michel Ocelot

Michael Ocelot conta histórias, em sua maioria, conto de fadas. Suas obras são sempre dotadas de imensa diversidade cultural. Este fato se deve à história de vida de Ocelot, que nasceu na Cote D´Azur, passou a infância na Guiné, a adolescência em Anjou e depois foi para Paris, ou seja, cresceu entre lendas tribais no Oeste da África e contos medievais no condado de Anjou na França. Seu primeiro sucesso foi o longa metragem ‘ Kirikou e a Feiticeira’, seguido de trabalhos como ‘Príncipes e Princesas’ (onde utilizou princípios do teatro de sombras) e ‘Azur e Azmar’.

A técnica de animação com sombras

O teatro de sombras é a técnica que inspirou Ocelot a realizar Principes e Princesas. A arte surgiu na china por volta de 5.000 a.c, e utilizava marionetes articuladas projetando sua sobra em anteparos de linho.

Nos dias de hoje, Sombra chinesa é uma técnica de animação stop-motion realizada por meio de recortes opacos e translúcidos.

Para animar os recortes, utiliza-se a mesa de sombra chinesa, montada em uma estrutura vertical com três níveis ajustáveis manualmente, sobre os quais ocorre a animação.

Além dos recortes, os animadores podem empregar outros tipos de técnicas utilizando a mesa: animação com areia, pintura sobre vidro, desenho animado, entre outras.
As animações são feitas em três plataformas, duas com vidros transparentes e uma de acrílico leitoso.

Não é necessário curso específico para operar a mesa. Basta ter conhecimentos básicos das técnicas de animação.

Manuela Diniz Chacon, 23 anos, estudante do 7 Periodo do curso de Cinema e Vídeo do Centro Universitário UNA

Um comentário:

Marjorie Lopes disse...

Muito sensível o artigo sobre um dos maiores animadores franceses. Eu, particularmente, sou apaixonada com o filme Kirikou et la sorcière, do Michel Ocelot também.