segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

MUMIA - MUSEU DO INSTANTE - BH - 2014

Museu do Instante é um evento público idealizado pela DOBRA Oficina de Arquitetura, em parceria com Paula Bruzzi, que reunirá ações culturais de BH na Praça da Liberdade no próximo sábado, 25/01. A intervenção faz parte da programação gratuita do projeto Circuito Aberto!, do Circuito Cultural Praça da Liberdade.

PROGRAMAÇÃO
15h Oficina Imersões
16h O Caboclo Zé Vigia | Tirana Cia de Teatro
16h Liga Brasileira de Queimada
17h Oficina de plantio | Troca de mudas
17h Em nome do amor
20h Sarau Vira Lata
20h30 Cine MUMIA | Mostra Udigrudi Mundial de Animação



seleção MUMIA
Macacos me mordam - Cesar Mauricio e Sávio Leite
Castelos de Vento - Tania Anaya
O ceu no andar de baixo - Leonardo catapreta
Casa de maquinas - Daniel Herthel e Maria Leite
De martelos e serrotes - Jackson Abacatu
Tudo - Adriane Pureza
Balanços e Milkshakes - Erick Ricco e Fernando Mandes
Diluvio - Magda Resende

Durante todo o evento haverá piquenique, troca de mudas, Casa Instantânea (Micrópolis), feira de vinil e cd's independentes, Menestréis ErraMtesDedos Verdese a partir das 19h30 projeção de fotos na fachada do Espaço do Conhecimento UFMG e de frases na fachada do CCBB Belo Horizonte.

Convidamos o público a abandonar a posição de espectador passivo dos museus tradicionais e participar ativamente da programação do Museu do Instante. Venha passar uma tarde na Praça!


segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Jan Svankmajer


Petrus Faria*
Nada como uma boa dose de Jan Svankmajer antes de ir não dormir

Nascido em Praga e hoje com cerca de 80 anos, Svankmajer poderia ter vindo ao mundo bem antes ou depois do que viera, poderia não ter nascido no solo quase mítico de Kafka e pouca ou nenhuma diferença resultaria disso para sua arte. Certamente essa é uma afirmação temerária, colhida de observação pessoal e, portanto, intransferível e pouco digna de confiança. Nem por isso, resolvo-me a evitá-la. Após assistir a um longa e a vários curtas do diretor, ficou-me aquela impressão de que se trata de um desses sujeitos que não pertencem a uma terra, a um povo, a uma nação, mas que trabalham, produzem e se expressam a partir da individualidade em direção ao universo. Não que o faça com essa intenção. O universo como receptor é um mero detalhe para quem se dedica, sobretudo, à construção da mensagem, sem se importar com onde ela chegará ou como será interpretada.
Após passear por sites em busca de informações sobre Svankmajer, percebo que permaneço sabendo, basicamente, o que sabia antes e me dou conta de que conhecer a fundo sua biografia dificilmente me seria de razoável valia. O fundamental para conhecê-lo, do ponto de vista de quem se ponha a admirar sua obra, é tropeçar em seus filmes, é interromper a pesquisa biográfica (mal iniciada) para descobrir o artista no resultado de seus esforços. Um filme leva a outro, o tempo transcorre sem que se sinta e ali está, vivo e pulsante, quem eu procurei em vão na forma de dados e datas. O Svankmajer que eu buscava está na metamorfose constante de suas personagens, sejam elas figuras humanas ou animalescas, robóticas ou indefinidas, feitas de carne ou de ossos expostos, de sucata, de lixo, de comida. O Jan Svankmajer que encontrei está no sono que perdi, no pesadelo divertido de seus filmes, no incômodo salutar de ficar acordado observando imagens que nem sempre consigo destrinchar, mas que são instigantes e que detêm a rara qualidade de não trazer uma etiqueta com data de validade    





Alice no país de Svankmajer

Alice (1988), filme do checo Jan Svankmajer, talvez seja a mais fiel adaptação já realizada do clássico literário do britânico Lewis Carroll (Alice no País das Maravilhas, 1865). Para que essa frase faça sentido, no entanto, é preciso alargar um pouco o conceito de "fidelidade". Do ponto de vista literal, a animação da Walt Disney Pictures, de 1951, certamente é bem mais fiel ao texto original. Até mesmo a versão de Tim Burton, de 2010, com todas suas liberdades poéticas (ou patéticas) está mais próxima da história de Lewis Carrol. A fidelidade do longa de Svankmajer não se aplica tanto ao texto em si, mas sim ao ambiente lúdico, à atmosfera onírica, surreal e ambígua da obra literária. Pode-se dizer, incorrendo em uma antítese justificável, que a liberdade do artista ao adaptar livremente o texto original transformou-o em outra coisa, do que se conclui que a fidelidade ao "espírito" da obra deu-se com a traição ao texto. A metamorfose operada por Svankmajer resgata, como nenhuma outra adaptação, o caráter inventivo do autor britânico.
Vale dizer que o país de Svankmajer não é a República Checa. Assim como o país de Carroll não é a Inglaterra. A migração de Alice do livro de Carroll para o filme de Svankmajer é um trajeto que a cartografia não poderia registrar. Isso porque, dentre outros fatores, observamos que a dimensão de certos artistas os transportam para uma terra de ninguém, ou de todos, onde a arte encontra seu lugar ao tecer um discurso poliglota, que independe do idioma em que esteja expressa para dialogar com quem se disponha a encontrá-la. Os mais de 100 anos transcorridos entre as duas realizações (o livro de um e o filme do outro) desenham aspirais em torno a um elogio do fantástico que se mantivera inabalável. É essa característica que faz Svankmajer superar o título de surrealista tardio para encaixar-se em uma definição particular, como se seu nome assumisse a função de adjetivo. Assim como um Dalí será sempre um Dalí ou um Hitchcock será sempre um Hitchcock, Svankmajer torna-se imediatamente inconfundível logo que conhecemos uma amostra de sua obra. 





Outras inspirações

Punch e Judy (1966) é inspirado em um tradicional teatro de fantoches que remonta ao século XVII. O curta usa de fantoches e de um animal vivo (um roedor) para explorar, com criatividade visual e trilha sonora envolvente, o conflito violento entre os personagens principais. Ao final, o roedor, aparentemente motivo da disputa até a morte dos personagens principais, é o único que sai vivo da narrativa. Uma orquestra de macacos bonecos abre o curta e remete, ainda que de maneira abstrata, aos primórdios do cinema, quando a música e efeitos sonoros que acompanhavam um filme eram produzidos por uma orquestra durante a exibição. Curiosamente, quando as personagens dos fantoches morrem, as mãos se desnudam dos fantoches e se recolhem a algum lugar oculto, como se o homem por trás da encenação também morresse.
Em Dimensões de um diálogo (1982), o ponto de partida de Jan Svankmajer é a obra de Giuseppe Arcimboldo (1527-1593). Mais uma vez, a biografia do artista reverenciado é desimportante: o fato de Arcimboldo ser considerado, tecnicamente, um maneirista em nada influi na metamorfose de sua arte na arte de Svankmajer. Arcimboldo tornou-se conhecido por pintar faces a partir do agrupamento de elementos variáveis, conforme a temática de cada quadro. Em Primavera, por exemplo, a figura feminina é basicamente composta por flores. Já em Ar o perfil retratado pelo artista italiano é montado a partir de uma arrumação de pássaros variados. Svankmajer monta perfis similares aos criados por Arcimboldo para criar uma animação em que o diálogo entre as figuras (mais ou menos humanas) basicamente se traduz em um constante canibalismo, em que um ser se alimenta do outro para, em seguida, vomitá-lo de volta ao mundo.
Outras adaptações: O poço, o pêndulo e a esperança (1983), adaptado do conto O poço e o pêndulo, de Edgar Alan Poe;  Fausto (1994), livremente inspirado no clássico de Goethe.





Comida (1992) _ Uma obra-prima e dois temas recorrentes

O curta se divide em três partes bem demarcadas: Café da manhã, Almoço e Jantar. Em todas elas prepondera um surrealismo anacrônico, que não representa nenhuma fase específica do movimento nem remete diretamente a qualquer artista. A "comida" do título, como sói acontecer em se tratando de Jan Svankmajer, sugere múltiplas interpretações: pode ser o que faz de nós o que somos, o que nos limita à condição de nossas fraquezas; ou talvez seja a causa natural de todo litígio, compreendendo-a, em largo sentido, como tudo aquilo que um ser humano pode desejar e tudo que é capaz de fazer para obter o que deseja.
Em Café da manhã, todos personagens são híbridos de homens e máquinas que se revezam em um ciclo vicioso. Sentados à mesma mesa temos sempre dois personagens, o homem que precisa ou deseja alimentar-se e o homem na condição de máquina, cujo papel é proporcionar o alimento a partir de sua própria constituição física.
Almoço traz  o embate entre dois clientes de um restaurante. Estão sentados à mesma mesa e são insistentemente ignorados pelo garçom. Um dos homens está mais apresentável, aparenta ter dinheiro e alguma educação burguesa; o outro, maltrapilho, é grosseiro nos modos e tende a repetir o que o primeiro faça à mesa. Em comum, os dois têm a fome e a disposição para comer qualquer coisa. O filme caminha de modo inequívoco para uma cena de canibalismo, que não chega a ser explicitada.
Jantar, mais breve e menos intrigante das refeições da trilogia, desemboca no final esperado desde o princípio, isso é, no canibalismo em si. Vemos três homens, cada um por sua vez, comendo um órgão do corpo como se fosse parte de uma lauta refeição. O primeiro ataca uma das mãos, o segundo uma perna, o terceiro o próprio sexo. 
Além do canibalismo, outro tema recorrente de Jan Svankmajer também presente nesse curta é a constante metamorfose. Em Café da manhã, o ser ora é homem, ora é máquina. No Almoço todo objeto inanimado torna-se comida. Em Jantar, quem come é, concomitantemente, o que é comido. 



Referências:

Livro:
Kriegeskorte, Werner _ Arcimboldo
Sites:
http://www.youtube.com

http://www.wikipedia.org  

* Petrus Faria é aluno do 1 Periodo do curso de cinema do Centro Universitário UNA.