sexta-feira, 23 de abril de 2010

Chuck Jones



Chuck Jones por Marcus Neto*

Um coelho, escorado em um pedaço de rocha, toca um banjo e canta com sua voz anasalada. A alguns metros dali, um homem, dentro da sua casa, ensaia a ária de uma ópera. O som do banjo e da voz são excessivamente altos e chegam até o cantor que, incomodado, caminha até o coelho, destrói o banjo batendo-o na cabeça do coelho que o tocava. A simples descrição nos leva a crer no caráter surreal da cena. Um filme que fosse talvez próximo de Buñuel e suas ovelhas. Mas se trata de uma cena que hoje é vista de maneira quase corriqueira. O coelho tocador de banjo é nosso conhecido, esteve presente em nossa infância, sempre perguntando “o que que há, velhinho” (em inglês,“what’s up, doc’). É dessa expressão, aliás, a origem do título original esse pequeno filme: What’s opera, doc?. O nome do coelho? Bugs Bunny, ou como conhecemos por nossas bandas, o Pernalonga. Apesar de não ser o criador da personagem, o nome por trás dessa animação é o de Chuck Jones. É provável que tenha sido ele a dar ao Pernalonga (trata-se aqui de uma autêntica persona, deve ser tratado como tal) suas melhores aparições.

Charles M. Jones nasceu em 21 de setembro de 1912 e morreu em 22 de fevereiro de 2002. O seu debute como diretor foi em 1938, num filme de animação chamado The Night Watchman, que conta a história de um gatinho que ocupa o lugar do pai como vigia noturno de um lugar não definido. Esse filme, muito ingênuo, ainda não trazia as características que fariam de Chuck Jones um dos maiores artistas da animação. Em seus 63 anos de carreira, Jones dirigiu mais de 300 trabalhos. A maior parte de sua carreira foi na Warner Bros., onde ajudou a solidificar personagens como Pernalonga, o Patolino e Hortelino, ou criando alguns, como o Pepe LeGambá, o Papa- Léguas e o Coiote. Não se trata aqui de buscar entender a influência que esses personagens tem em crianças, mas não se pode negar o fato de que eles vem sendo assistidos por contínuas gerações desde o início dos anos 1930.

Jones, após sair da Warner, fundou sua própria empresa de produção, bem como,durante certo período de tempo, dirigiu episódios da série Tom & Jerry. Muito provavelmente influenciado por um gosto pessoal, pelos filmes que vi quando criança sempre gostei dos Looney Tunes e nunca fui muito fã do desenho do gato atrás do rato. Pra mim, os desenhos de perseguição tiveram seus melhores filmes numa das criações originais de Chuck Jones: o Papa-Léguas e o Coiote. Foram muitos cafés da manhã sentado em frente a televisão, mal tocando no biscoito ou no pão. Ficava lá,simplesmente hipnotizado por esse Coiote obsessivo, como poucos personagens que a ficção criou. Detonado pelas próprias bombas, atingido pelas próprias bigornas, sempre caindo nas próprias armadilhas. Nada faz o Coiote desistir de capturar sua presa. Não me importava com as repetições, vi os mesmos filmes dezenas de vezes (e continuo vendo, agora não mais pela televisão e sim pelo Youtube). Papaléguas e Coiote eram meus preferidos, mas assisti muitos outros. Minha relação com esses filmes é sentimental. Reconheço a dificuldade de dispor do distanciamento tão importante para análises. Minha relação com o trabalho de Chuck Jones é menos a de um estudante de cinema para com filmes importantes e sim a da criança com seus desenhos.

Com o Patolino aprendi que mentir não era tão grave, com o Pernalonga aprendi a aperfeiçoar a mentira. Com a Piu-Piu descobri a dissimulação, com o Frajola percebi a força de um instinto. Com a Vovó percebi como envelhecer não significa necessariamente se tornar rabugento. Com Pepe LePew (na época não sabia seu nome)aprendi a ser romântico. Os filmes de Chuck Jones foram para mim (e só agora, no momento em que escrevo, é que tomo consciência disso) lições diárias sobre o que é o
ser humano. Enquanto os Ursinhos Carinhosos combatiam os vilões e o Pernalonga se revestia de mulher e seduzia o ingênuo Gaguinho. Enquanto a Xuxa entrava e saia da sua nave rosa o Patolino fazia com que Hortelino seguisse um caminho errado, só pelo
prazer de vê-lo se enganar. Enquanto os meninos da rua brincavam de pega-pega, eu via
o Coiote perseguindo o Papa-Léguas.

Os filmes de Chuck Jones, e também seus amigos de Warner Bros., foram possivelmente os primeiros a me mostrarem que o bem e o mal não estão tão distantes como os ursinhos fofinhos nos queriam levar a crer, que o mundo não é cor-de-rosa como a mulher loira nos dizia e que a vida real poderia ser menos interessante do que se
via na tela. Com os filmes de Chuck Jones descobri que, muitas vezes, fazemos as coisas apenas por egoísmo ou prazer (Patolino), agimos com violência por auto-defesa e vingança (Pernalonga), que existem instintos dos quais não nos livramos, mesmo que
vivamos na conforto da civilização (Frajola), que todo apaixonado é um pouco tolo
(Pepe LePew) e que o desejo, invariavelmente, acarreta sofrimento (Coiote).

Chuck Jones é um daqueles nomes que povoam o cinema americano. Da mesma tradição que Howard Hawks, Samuel Fueller e Nicholas Ray. São genuínos artistas que trabalham para a indústria e escamoteiam sua visão acerca do mundo nos projetos comerciais. É um daqueles de transformam um mero produto em obra de arte.

Referência Bibliográfica:
COSTA, Alessandro Ferreira. PELOS BASTIDORES DA HISTÓRIA: LOONEY TUNES – ARTE E ESTILO. Belo Horizonte, 2008.

Site: http://www.chuckjones.com

Filmes assistidos pelo site Youtube.

*Marcus Neto, 20 anos, estudante do 7 periodo de cinema e video da UNA.

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