sábado, 7 de maio de 2011

Mulheres animadas





Mulheres animadas por Rosângela Bicalho Teixeira Rezende*

Em um mundo tipicamente masculino como o da animação, encontrar mulheres que criam essa arte é uma raridade, e ao mesmo tempo, um fascínio. A nossa viagem textual será a de passear por onde os olhares femininos de Lotte Reineger, Elizabeth Hobbs e Maureen Selwood se assentaram.

Lotte Reineger foi a precursora das mulheres nesse mundo da animação. Nascida em Berlim (Alemanha) em 1899, encantou-se com a arte chinesa ainda criança. Seu primeiro contato com as possibilidades da animação se deu em 1915, através da leitura de Paul Wegener. Em 1918, criou seu primeiro trabalho animado que lhe possibilitou a entrada em um estúdio experimental.

Com uma habilidade surpreendente com as tesouras e com a sua paixão pela arte chinesa e em especial pelo teatro de sombras , Lotte Reineger ainda que diante de um cinema em seu início, soube usar a narrativa, as figuras delicadas e as sombras para nos oferecer um mundo de magia. Seu maior sucesso foi uma obra intitulada o Príncipe Achmed (1926) em que inovou nos efeitos. Seu pioneirismo não foi somente em relação à técnica de animação, pois em Thumbelina (1954), uma delicada narrativa baseada nas fábulas tradicionais, a protagonista é apresentada rompendo lugares tradicionais daquela época: o casamento ”arranjado”. A personagem não se intimida diante da possibilidade de se casar com quem não quer e alça vôo em direção ao seu destino. De forma semelhante as suas criações, Lotte Reineger, ainda que tenha vivido a insensatez das guerras mundiais,não se intimidou diante da vida e esta, em contrapartida, proporcionou-lhe bons prêmios e uma longa jornada: morreu aos 82 anos.

Do mundo encantado dos contos de fadas recortados e ensombrados, deslocamo-nos para as aquarelas animadas de Elizabeth Hobbs. Essa jovem artista irlandesa revela em seu trabalho a estreita relação entre as técnicas tradicionais da arte e a animação. Ao cursar o seu Máster em 1991, realizou uma animação em que usou técnicas de aquarela parecida às que usava em suas ilustrações de livros. Em 2000, cria o Imperador, com uma narrativa irreverente em que conta como os genitais de Napoleão Bonaparte foram vendidos em um leilão, mesclando tempo presente com a visão de um soldado fiel da grande armada. Ao utilizar a técnica de aquarela úmida sobre o papel , sua animação revela características impressionista que mostra o movimento fluido, efêmero e temporal.

O que é mais surpreendente em seu trabalho é a experimentação de sua técnica. Em The old, old,very old man (2007) toda a animação é desenhada em azulejo com tinta azul. O resultado é uma combinação leve e humorística de uma estória que chacoteia Carlos I . Aliás, a leveza de suas imagens combina com a fugacidade de suas formas, o que deixa a sua animação bastante sugestiva.

Sabe-se que todo animador deve ser consciente da relação entre a ideia e o método empregado para expressá-la. Além das mulheres já citadas que revelam esse saber, Maureen Selwood parece conhecer bem o tema, ao explorar a relação entre os conceitos e as formas estilísticas modernas.

Maureen Selwood nasceu em Dublin (Irlanda) e começou com suas animações logo depois de cursar a Faculdade de Artes. Seu trabalho é antes de tudo baseado na ideia desencadeada após a realização de um desenho. Ele serve como estopim para a criação de uma animação. Para ela, é fundamental ser consciente da relação entre os diferentes métodos de expressão, conhecer as diferentes formas artísticas e populares e ser capaz de articular os sentimentos dos vários períodos vividos. Esses aspectos fomentam a criatividade e desenvolvem o estilo próprio. Por ser professora, aplica diferentes métodos de ensino (associa mitos, metáforas, imagens oníricas e as pinturas surrealistas) para inspirar os seus alunos e promover a criação. Esses elementos utilizados em seu trabalho docente parecem ser utilizados em sua própria criação.

Maureen Selwood considera que a sua obra é uma odisséia poética. Em Flying circus: A imagined Memoir (1995), em uma tentativa de criar uma recordação de infância, trabalhou com diferentes maneiras de colorir e pintou fotografias estáticas em intervalos regulares. Além disso, usa em seus trabalhos filmagens ao vivo e instalações. Sua última animação I started early (2007), trata-se de uma exploração de um poema de Emily Dickison em que explora o despertar sexual de uma garota quando ela conhece o mar. Nota-se que sua trajetória aponta para uma sensibilidade filosófica que permite explorar tanto o criador quanto a criatura.

Ao chegar ao final deste passeio, pergunto-me em que as três animadoras se assemelham. Talvez as respostas pouco importem, mas sem dúvida, há, em todas elas, a marca de um estilo, de uma forma de expressão, de um saber que nasce da sensibilidade e daquilo que a vida dispõe. Conhecê-las é mais que saber sobre o feminino, pois é, sobretudo, entender que na animação há várias formas de inclusão, incursão e criação.

Referências bibliográficas:
Wells, Paul. Fundamentos de la animación. Parragón Ediciones. Barcelona: 2007.
http://www.animateprojects.org/films/by_artist/h/e_hobbs.
http:// www.animation.org
http://www.maureenselwood.com

* Rosângela Bicalho Teixeira Rezende, é psicologo e estudante do curso de cinema e Video da UNA.

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