sábado, 14 de novembro de 2009

7 MUMIA - CRÍTICAS 2


















7º MUMIA – Internacional 3

Por João Toledo

Sendero - Caminho - André Bustamante, Théo Court e Manuel Munhoz - 26'- Chile - 2007

Caminho é uma animação rústica, nebulosa, de poucos detalhes; ela nos deixa sempre perdidos, como que vagando por uma memória gasta, por entre formas e cores onde apenas aos poucos vamos descobrindo paredes, ruas e movimentos. Rústica mas também bastante plácida e harmoniosa, erguida sob o ritmo de uma respiração morosa e grave – em momentos, parece remeter ao cinema de Antonioni, aos personagens perdidos no espaço, vagando solitários, redescobrindo o mundo através do olhar e de um silencio pesaroso. A impressão é de uma animação feita de areia, vagarosamente levada pelo vento, areia que cobre as lembranças de um passado que o personagem parece querer revelar, redescobrir. O passado da foto que ele tem em mãos; uma imagem apenas, uma lembrança perdida.

No universo intangível e intrinsecamente intimista do personagem que acompanhamos, paira um clima constante de mistério; nada se torna claro, nada nos é revelado, tudo reside sob camadas e mais camadas de tempo, grão, esmaecimento. O reencontro do personagem com seu passado é um encontro com a desolação e o desgaste do tempo, um encontro com a finitude das coisas, e com a própria solidão. Os olhares da foto já se perderam para sempre, o passado é ruína, a árvore já não tem mais vida. Resta-lhe o chão, a terra, e areia. E o esquecimento.

Jauna Suga - A Nova Espécie - Evalds Lacis - 10'- Letonia - 2008

Extremamente bem finalizado e cheio de efeitos que simulam complexos movimentos de câmera, A Nova Espécie é uma animação em stop-motion bastante atraente, singela e um tanto pueril, sobre pequenos e vaidosos insetos. Bem articulado visualmente, e criativo na construção do universo dos insetos, o filme tem bastante carisma e um grande controle do ritmo e da narrativa, ainda que sacrifique um tanto de sua criatividade, de sua força livre de imagem e cor, em função de um discurso moral sobre a vaidade excessiva da pequena formiga, que por sua maquiagem, roupas e peruca, chama a atenção de um colecionador de insetos. Ainda assim, tem lá diversos méritos enquanto construção visual.

The New China - A Nova China - Sun Xun - 5'19"- China - 2008

Bastante politicamente engajada, a animação de Sun Xun é plena de imagens escuras que evocam um clima tenebroso de dominação cultural imperialista, cheia de símbolos que se traduzem como metáforas dessa nova China, esse país que enfim cede ao poderoso jugo do capitalismo. Misturando símbolos eminentemente americanos com uma vespa sedenta (possivelmente sedenta por poder), Sun Xun constrói um discurso que claramente lamenta o que ele parece enxergar como uma dominação tirânica, chegando a evocar símbolos que remetem ao nazismo. A animação, que parece ser um stop-motion de pinturas feitas em uma enorme parede branca, incorpora o rastro de sujeira trazido de cada pintura anterior, deixando a imagem toda marcada de sombras obscuras. Aos poucos, mapas da china são distorcidos e dragões que representam sua cultura milenar são executados. Restam os símbolos americanos que invadem aos poucos esse ambiente de terror criado pelo filme. Ainda que bastante direto, manifesto, escancarado em seu discurso, o filme de Sun Xun conserva ainda uma força intensa que emana de sua imagem expressionista.

Ceci N’Est Pas Une Mouche - Isto Não É Uma Mosca - Carlos Fraiha - 2'- Inglaterra - 2008

Isto Não É Uma Mosca é uma animação bem curta, bem simples, que, como todo filme 3D, trabalha sobre a idéia da contenção de planos, em função de sua dificuldade de realização, o que leva a uma maior precisão da construção narrativa, que faz restar apenas o essencial. O curta claramente deixa que sua idéia subjugue a imagem; existe uma construção visual ali mas ela é toda em função da piada que se cria a partir da célebre pintura de Magritte, Isto Não É Um Cachimbo. A piada é, no fundo, mais importante que a animação; não existe ali nenhuma grande potência estética. Também não existe nenhum grande problema, nada de errado, nada fora do lugar, nada vulgar ou mal construído. Talvez seja este seu principal problema; não há nada demais.


Pirogues - Piroga - Alice Bohl - 7'- Irlanda - 2008

Feita de traços muito simples, a animação de Alice Bohl parece erguida de linhas tão soltas que mesmo paradas parecem estar em movimento. Essa impressão de um constante fluxo nos deixa perdidos entre as imagens, que se desmancham e se transformam como se fossem feitas de vento, como se fossem pensamentos ou coisa parecida. Estamos na França, em uma Paris habitada por imigrantes africanos que buscam melhorar de vida. Ao mesmo tempo, ao telefone, do outro lado da linha, está a família que aquele personagem deixou pra trás. O filme retrata esse peso e essa angústia da separação sem melodrama, com uma singeleza bastante bonita, que não diminui nem explora a dor daqueles homens, daqueles seres de traço indistinto, perdidos numa cultura que os repele, os segrega, os exclui. Eminentemente político, no sentido mais humanista do termo, Piroga consegue discutir esse contexto da França atual e seus constantes conflitos sociais com imigrantes sem se perder em discursos. Ele não fecha a realidade em uma visão predeterminada; abre o mundo através do cuidado do olhar, da generosidade de quem observa sem se impor. Está tudo lá, a perda de identidade, a opressão do capital, a dor da separação, a vida que segue.

Studnia - O Poço - Andrzej Gosieniecki - 9'- Polonia - 2008

Até a água em O Poço tem a cor do deserto. Tudo ali é árido. Não existe outra cor senão essa, de tom amarelado, sépia, cor do calor. Parece um ambiente inóspito para a criação. No entanto, de um vigor criativo impressionante em termos de construção de enquadramentos, o curta polonês se constrói inteiro apoiado na potência da imagem, sem nunca se escorar na palavra como muleta narrativa. O filme caminha no ritmo da música que o acompanha, e a vida em cena é uma espécie de transe estético; tudo é dança, absoluta precisão. À medida que o filme avança, avançam também as tentativas para conseguir-se água, seja rezando para um ídolo, seja buscando no arremesso de um balde em direção às nuvens.

Mas no momento em que esses homens do deserto empregam toda sua criatividade na ávida busca por água, essência da vida, cria-se ali um paralelo entre esse processo de busca essencial dos personagens e o próprio processo de criação artística do próprio filme – uma espécie de metáfora da criação enquanto possibilidade plena independentemente das condições adversas. Não há, afinal, limites para a invenção e para o que se pode alcançar nesse processo; pode ser o próprio céu, as nuvens, pode ser a vida. O poço está, afinal, onde estiver nossa água.



João Toledo
Crítico, realizador e cinéfilo, eterno estudante de cinema, João Toledo é fundador da produtora Sorvete Filmes, juntamente com Leonardo Amaral e Gabriel Martins; redator da revista eletrônica Filmes Polvo, sob a coluna Corte Seco, desde 2007; diretor, roteirista, montador e assistente de diversos curtas-metragens independentes; formado em publicidade pela Universidade FUMEC em 2005 e pós-graduado em cinema pela PUC Minas em 2006.
Filmografia:
Sobre o Suflê - roteiro e direção - 2006
Filme Fulleiro - co-direção - 2009
Pára - imagens, direção, montagem - 2009
Caixa Preta - imagens, direção, montagem - 2009
A Janela (ou Vesúvio) - roteiro, direção, montagem - 2009
Lembro-me Ainda de Quando Comíamos Pão de Mel Toda Manhã Mas Hoje Acordei de Ressaca - imagens, direção, montagem - 2009

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