sexta-feira, 22 de outubro de 2010

DÁRIA

DARIA - THAT WAS THEN, THIS IS DUMB from tiniyah on Vimeo.



por Henrique Araújo Perini*

“Daria” é uma animação criada por Glenn Eichler e Susie Lewis sobre Daria Morgendorffer, uma adolescente que não se encaixa nos padrões de “jovem popular” no ginásio americano. O desenho foi vinculado na MTV americana de 1997 a 2002, contando com cinco temporadas e dois longa metragens. Este desenho animado surgiu a partir de um personagem (Daria) da animação Beavis and Butthead que acabou ganhando sua própria série.

Daria é uma adolescente cínica e de humor ácido, sempre se utilizando de ironia com as pessoas em volta. Ela é inteligente, sensível e estudiosa, mas não é popular. Em contrapartida, sua irmã Quinn, que faz parte do clube da moda e está sempre cercada de namorados e das pessoas mais descoladas da escola, não é estudiosa e se importa apenas em parecer bem frente à sociedade juvenil. É interessante ver como esses dois extremos compartilham a mesma casa, fazendo com que os pais lidem com dois opostos. Isso oferece ganchos interessantes para histórias onde as duas são obrigadas a deixar suas diferenças de lado para trabalhar juntas.

Pode-se notar que essas características da personagem principal são na verdade um tipo de fuga para a própria insegurança. Uma segurança intelectual esconde por trás uma insegurança emocional. Daria apesar de mais inteligente e mais culta que a maioria dos personagens do programa ainda é uma adolescente cheia de incertezas e que tem problemas de relacionamento com as pessoas a sua volta. Quando é perguntada pela mãe se possui baixa auto-estima, ela define:
“Não possuo baixa auto-estima, apenas baixa estima por todo mundo”.

O episódio piloto (Esteemsters) apresenta a família Morgendorffer se mudando para a cidade de Lawnsdale e o primeiro dia na escola de Daria e Quinn. O programa conta com vários outros personagens destacando sua melhor amiga Jane Lane que compartilha do olhar cínico da protagonista. Jane é uma artista plástica, que pinta e esculpe para extravasar e apesar de ser impopular como Daria, se mostra uma jovem muito mais segura e sem tantos problemas de socialização quanto sua amiga. Seu irmão mais velho Trent Lane é um roqueiro de garagem, que não trabalha nem estuda, se dedicando apenas à sua “arte”. Ele é o guitarrista de uma banda de rock chamada Mystic Spiral e até o final da quarta temporada é o amor platônico de Daria. Trent também é o “conselheiro” de Jane, sempre com uma resposta vaga, porém contundente para as aflições da irmã.

A família Morgendorffer é constituída pelas duas irmãs, e pelos pais Helen e Jake. Helen, a mãe, é uma advogada bem sucedida que está sempre ocupada ao telefone e dando ordens ao marido. Ela seria a representação da mulher moderna, bem sucedida na carreira e ainda assim com êxito em criar duas filhas, embora uma delas tenha uma constante visão niilista do mundo. Jake é um prestador de serviços que é frustrado por não ser tão bem sucedido quanto a esposa. Ele tem uma personalidade engraçada de “pateta”, sempre recebendo ordens da mulher e sendo passado para trás pelas filhas. Jake seria o escape cômico da família com seus comentários infantis e abobalhados.

Tom Sloane, durante o final da terceira temporada até o final da quarta, aparece como o namorado de Jane, causando conflitos com Daria que o hostiliza por acreditar que ele causa um distanciamento das duas amigas. No final da quarta temporada, Daria e Tom fazem as pazes e começam a nutrir sentimentos um pelo outro, fazendo com que se beijem eventualmente. Mais conflitos surgem entre o trio até que eles fazem as pazes entre si e Daria começa a namorar firme Tom, oficializando assim, o primeiro namorado. Tom é um personagem interessante se analisarmos que a personalidade de Daria não muda com o namoro. Diferentemente da personalidade da namorada, Tom tem um espírito alegre, sempre vendo o lado bom das coisas de maneira inteligente e ponderada. Daria por muitas vezes não consegue manter seu pessimismo para si e acaba descontando no namorado, que sempre tenta dialogar para tornar as coisas melhores. Tom acaba tornando o porto seguro de Daria, e com o passar dos episódios demonstra grande afeto por ela, passando por cima de várias coisas para que fiquem juntos. Daria por sua vez, se apresenta sempre na defensiva, insegura demais e com medo de se entregar, culminando no término do namoro no longa metragem que marca o fim do programa (Is It College Yet?).

As pessoas de Lawnsdale High formam outro núcleo do programa. Entre eles há vários estereótipos como o atleta popular e descerebrado (Kevin Thompson) e sua namorada líder de torcida rica e igualmente descerebrada (Brittany Taylor). Sr DeMartino é um professor neurótico que está sempre nervoso e gritando, diferente do Sr O’Neil que é um professor de inglês inseguro e de fala calma. A diretora Angela Li é alguém que não mede esforços para que a Lawndale High seja bem vista (nem que seja apenas nas estatísticas) fora dos muros da escola. Srta Barch é a professora de ciências feminista e divorciada, que odeia os homens , mas não consegue viver sem eles. Stacy, Tiffany formam juntamente com Quinn o clube da moda, liderado por Sandi, que mantém uma mão de ferro e não tem problemas em boicotar as companheiras para se manter no poder. Charles “Upchuck” Ruttheimer III é um “filhinho de papai” que sempre paquera as garotas da escola mas é um total inepto e sempre está sozinho.

Vários outros personagens fazem de Daria um programa único. “Único” porque trata de outro lado da adolescência, o lado ruim. Diferentemente de outros programas e filmes que insistem nos clichês de “populares que fazem o mal aos não-populares e depois acabam recebendo o mal de volta”, Daria não romantiza a adolescência. Ao invés disso, as personagens são obrigadas a lidar com seus conflitos e inseguranças, alguns são superados, outros não. Daria é uma adolescente problemática, e desde o primeiro ao último capítulo, não consegue superar suas inseguranças, apenas vive o dia a dia e tenta aprender com os próprios erros (que são muitos). A adolescência que é apresentada no programa, apesar do tom de comédia, é a adolescência mais verossímil, cheia de incertezas e fracassos. Quinn, a irmã mais nova, é popular, bonita e querida por todos, mas atrás da máscara que precisa usar para as pessoas na escola, ela é uma menina carente de atenção. Com o passar do tempo, nota-se claramente um amadurecimento desta personagem, que passa a se aproximar mais da irmã mais velha na última temporada. Enquanto os filmes deste gênero tratam o protagonista como alguém que “tem tudo para ser popular mas prefere ser ele mesmo”, Daria humaniza muito mais os personagens. A protagonista nunca teria o que é preciso para ser a mais bonita e a mais popular da escola, mas mesmo assim, consegue ser uma personagem profunda e querida para os fãs do programa.

Daria é um programa essencialmente sobre a adolescência americana, de acordo com os valores e a educação típica dos Estados Unidos. No entanto pode-se transportar os personagens para a realidade da classe média brasileira. Conduzido por uma trilha sonora de bandas de rock dos anos 90, Daria não romantiza a adolescência, e quando o faz sua linguagem se torna universal e humanizada, sem promessas sobre esta fase de vida. Isso gera uma identificação ainda maior com o programa e explica ainda mais o sucesso que Daria tem, fazendo do programa uma das melhores séries animadas da década de 90 e início dos anos 2000.

* Henrique Araújo Perini, estudante do 7º período do curso de Cinema e Video da UNA.

3 comentários:

Anônimo disse...

Essa série é realmente incrivel e transmite a verdadeira realidade da fase adolescência. Sem ilusões, no decorrer ela expressa as atitudes, tudo o que acontece no cotidiano jovem. O bom som de rock n roll, sentimentos, sarcasmo. Enfim DARIA é foda. Vale a pena assistir..\m/

Anônimo disse...

Excelente análise de um das melhores e mais inteligentes séries de animação.

Há um quase consenso dos fãs de que a introdução de Tom como namorado da protagonista arruinou a série. Daria soava mais autêntica como uma a-romântica. Um namorado para Daria ainda poderia ser aceitável, se tivesse uma personalidade mais compatível. O grande problema de Tom, além de parecer o Ken da Barbie (talvez seja por causa do nome, também me lembra um pouco o Tom Cruise jovem, do tempo de "Negócio Arriscado") é que ele era muito normal e chato, e não convencia de jeito nenhum como namorado da Daria, e menos ainda como namorado da Jane. Se ele fosse mais excêntrico, ou mais nerd, os fãs da série poderiam tê-lo aceito. Em vez disso, tentaram fazer um personagem perfeito demais que não agradou a quase ninguém.

Se Daria nunca teria o necessário para ser a mais bonita e mais popular é um ponto bastante discutível. O episódio "Quinn the Brain" sugeria fortemente o contrário, e indicava que Daria apenas desprezava essas coisas:

https://www.youtube.com/watch?v=ZrwkPD8a97o

Anônimo disse...

A propósito, há poucos dias encontrei no youtube o verdadeiro piloto da série, "Sealed With a Kick", de pouco mais de cinco minutos, em preto e branco, e que nunca foi exibido na TV aberta. É incrivelmente diferente da série exibida na MTV e tão amada pelos fãs, seguindo um roteiro bastante padrão de comédia adolescente, e pode até espantar os fãs pela diferença de personalidade e comportamento dos personagens. No enredo, Dária se sente ofendida porque Kevin (que aqui não é um bobão inofensivo, mas uma espécie de Johnny Bravo) pensa que ela está interessada nele, pelo simples fato de lhe ter pedido empresto um lápis. E como Dária nesta versão não é uma introvertida associal, mas uma garota maliciosa e atrevida, decide se desforrar infernizando a vida de Kevin, inclusive se insinuando pra ele bem na frente de Britanny, arruinando o namoro do jogador (e de certa forma antecipando o futuro caso de Tom e Jane). O episódio ganhou fama na internet pelos momentos em que Dária exibe um sorriso assustador ao estilo Coringa, mas ve-la dando em cima de Kevin por vingança não deixa também de ser esquisito. Certamente a série não teria tido tanta repercussão se Dária não tivesse sido modificada, de forma a permitir que tantos se identificassem com ela.

https://www.youtube.com/watch?v=qopDyYuLzvM