quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

O Zen Bill Pympton e o cinema feito de Lapis e Papel


Computador e lápis são aliados para fazer animação
John Anderson


A 4,8 mil km de onde Feliz, Dunga e Mestre decoram as paredes dos estúdios Walt Disney em Burbank, está o escritório do animador Bill Plympton em um dos edifícios repletos de portas de aço anônimas no sul de Manhattan. Atrás delas podem existir tanto revendedoras de aspiradores quanto cartéis internacionais de narcóticos. Mas quem se importa? Claramente, coisas mais fantásticas estão surgindo no final do corredor no escritório de Plympton: casamentos alienígenas. Pêlos de nariz tão longos quanto o Nilo. Cães que sonham com hidrantes. E cinema criado a lápis. Muitos lápis.

Enquanto Bolt e Madagascar 2: a Grande Escapada continuam ocupando as salas de cinema, e Wall-E parece estar destinado a um Oscar de animação (e talvez até mesmo a uma indicação para melhor filme), os desenhos animados parecem ser a melhor aposta de Hollywood para uma vida longa e feliz - as animações em 3D parecem ser a última razão para o público sair de casa. A tecnologia de informática por trás disso pode ser comparada à da NASA.


Os enredos, sejam eles sobre cães iludidos, leões neuróticos ou pandas com golpes giratórios, são geralmente similares. Mas apesar do estilo bobalhão que influenciou a maior parte dos filmes animados americanos, um elemento insurgente continua fazendo animação para adultos. Nem tudo é desenhado à mão; alguns misturam ação real com animação, ou podem ser desenvolvidos por Flash ou PowerPoint.


Plympton, o mais conhecido desse quadro de animadores, cujos filmes incluem The Tune, I Married a Strange Person e, mais recentemente, o curta Hot Dog, usa a mesma técnica que a Disney usava em 1936. "Diria que foram necessários cerca de 25 mil desenhos para Idiots & Angels", contou de seu mais recente filme, sobre um homem mau que desenvolve asas que o levam a fazer boas ações. "Faço cerca de 100 desenhos por dia, algo como 10 por hora, e se conseguir ficar nisso por 250 ou 300 dias, então tenho um filme."


É como, ele disse, "uma coisa zen". "Você fica tão focado. Não respondo e-mails ou telefonemas. Acordo às 6h, não me barbeio nem tomo banho, só começo a desenhar. É como um percurso. Ouvi que os romancistas fazem isso também. Eles se focam tanto por um ano que depois desabam por duas ou três semanas. Vão dormir. Ou beber".


Outros artistas têm outras táticas. Henry Selick (O Estranho Mundo de Jack de Tim Burton) está atualmente passando pelo doloroso processo de modelagem do filme, que colocou em ação tipos como Gumby e Wallace & Gromit. Seu novo trabalho, Coraline, está previsto para ser lançado em fevereiro.


"Você quer colocar a mão na massa," Selick disse quando perguntado sobre o que motivava seu uso de modelos de barro e objetos reais em vez de imagens onipresentes de computador. "É esse o sentido para mim."


Outros, incluindo Don Hertzfeldt, Signe Baumane e Plympton, desenham tudo à mão. Mas o tema de seus filmes passa longe das peripécias de Piu-Piu e Frajola: sexo e arrependimento (A Letter to Colleen, de Andy e Carolyn London); um império de pássaros fascista que conquista Londres (Bathtime in Clerkenwell e Last Time in Clerkenwell, de Alex Budovsky); uma adolescente petrificada por uma gravidez (Baumane's "Birth). Ou as agonias da bolha Wrap, enquanto aguarda o inevitável estouro (Fantaisie in Bubblewrap, de Arthur Metcalf).


Animações sérias não são desconhecidas nos Estados Unidos, embora a situação do mercado possa se comparar à do vinho californiano, pré-1976. Waltz With Bashir, o lançamento da Sony Pictures Classics sobre a invasão israelense do Líbano nos anos 1980, é tão séria quanto um filme pode ser. Persépolis e As Bicicletas de Belleville foram grandes exemplos da abordagem pós-Turma do Pernalonga e de uma maturidade de temas, se não necessariamente técnica. Mas os três são importações. Para que seu trabalho seja visto, a maioria dos animadores nos Estados Unidos precisa fazer o caminho inverso.


Baumane chegou a Nova York em 1995 da Letônia e finalmente encontrou um produtor para seu trabalho na Itália. Seu filme Teat Beat of Sex é uma aventura de 15 capítulos semi-autobiográfica e quase filosófica sobre erotismo. Potencializadas pela narração excitante de Baumane, cada curta poderia ser um número humorístico nos palcos, embora ela goste da permanência que o filme proporcione e da oportunidade para provocar: "acredito que ao chocar as pessoas, expandimos suas percepções".


"Meu trabalho é rejeitado por muitos festivais de animação porque eles não o consideram 'animado'", Baumane disse, explicando que usará quatro quadros por imagem, algo que dá menor fluidez de movimento ao filme projetado. (Filmes animados geralmente usam 24 quadros por segundo.) Essa atitude exclusivista é o tipo de coisa que provavelmente irritaria Hertzfeldt.
"Não sei por que essas coisas precisam ser classificadas em grandes e estúpidas gaiolas," disse Hertzfeldt, diretor indicado ao Oscar que divulga pelo país seu último curta, I Am So Proud of You, a seqüência de seu celebrado Everything Will Be OK. "Desenhos à mão contra computadores, película contra digital. Temos mais de 100 anos de uma incrível tecnologia de filmes para usar. Não sei a razão para qualquer artista dispensar qualquer uma dessas ferramentas."


"Muita gente supõe que, como gravo em película e trabalho com animação em papel, faço as coisas do 'jeito difícil', quando na verdade meus últimos quatro filmes teriam sido impossíveis de produzir digitalmente".


Despesas e tempo são os fatos pouco conhecidos da animação digital. Plympton, que gasta centenas de milhares de dólares em suas produções, disse que quando contratou alguém para criar um hotel digital para seu filme Shuteye Hotel, "foram seis meses de atraso e seis meses de estouro de orçamento."


Hertzfeldt, que usa uma rara e antiga câmera de 35 milímetros, disse: "muita gente parece supor que existe um botão 'fazer arte' no computador e tudo no mundo digital é mágico e fácil. Existe um sem fim de idéias erradas sobre como essas ferramentas funcionam e pouco conhecimento de que os animadores em computador precisam se esforçar tanto quanto os animadores tradicionais".


Apesar das exigências e penúrias, esses animadores continuam querendo mais - particularmente Plympton, que arrasta a teimosia a níveis olímpicos. "Produzir uma animação a cada seis meses, um longa a cada ano, uma só pessoa? Nunca foi feito," disse. "Seis longas-metragens sozinho? Não sei se isso alguém um dia vai conseguir repetir". Explode em gargalhadas. "Por que iria?"
Ultimamente, disse Hertzfeldt, os métodos são irrelevantes. "A única coisa que importa é o resultado na grande tela, não como você chegou a ele", disse. "Você pode fazer um desenho com giz de cera sobre um quadrado vermelho que sofre de um amor não correspondido por um círculo azul, e não deixar um só olho seco no recinto se souber como contar uma história".


Tradução: Amy Traduções
The New York Times

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