domingo, 6 de novembro de 2011

Coiote e Papa-Léguas: Cinema, Bigornas e uma pitada de loucura


* Por Cleton Lopes

Imagine as seguintes cenas: a primeira um homem encontra um broche em cima de uma mesa e diz com os olhos lacrimejando: “esse era o broche predileto da mamãe”. Na segunda vemos o mesmo homem segurando o mesmo broche, em seguida em um porta-retrato, em uma estante próxima vemos uma foto do homem abraçado com uma senhora que usa o broche, quase que imediatamente seus olhos começam a lacrimejar.

A segunda é mais cinematográfica que a primeira, pois não foi necessária a fala para descrever a razão do choro do homem ao ver o broche. O cinema é a arte de mostrar e causar emoções através de imagens em movimento. Apesar do dialogo ser algo importante, e em alguns casos, crucial para o desenvolvimento da cena, são os gestos, os olhares e as reações a estes que constroem um cinema de qualidade.

Criado em 1949 por Charles Martin “Chuck” Jones, ou somente Chuck Jones, as aventuras de Coiote (Wile E. Coyote) e Papa-Léguas (Road Runner) bebem da mesma fonte. Além destas técnicas, ele utiliza outros recursos cinematográficos como a trilha sonora, os efeitos de Fade in (imagem aparece gradualmente) e Fade Out (imagem desaparece gradualmente) e as expressões dos personagens que são responsáveis quase que unicamente de contar a história de forma eficaz. Os únicos recursos de fala/escrita utilizados são as placas do Coiote que são mostradas raramente para acrescentar algo a piada em questão ou as descrições simplificadas das engenhocas compradas por ele na ACME Company.

A ACME é uma empresa que existe apenas no universo da animação. Ela fez tanto sucesso que foi considerada uma das melhores invenções de Jones que acabou entrando no enredo dos demais desenhos dos Looney Tunes. A empresa “fornece” os mais variados itens, como: buracos instantâneos, skates a jato, dinamites, bigornas, foguetes e tudo que um personagem de desenho animado precisar.

O desenho conta também com as já costumeiras loucuras dos desenhos Looney Tunes que se distancia e muito do mundo de fantasia Disney, mas de certa forma se aproxima muito mais do real, mostrando de forma caricata as reais ambições dos personagens.
Como resultado das ações do veloz Papa-Léguas e do “Inteligente” Coiote, o público acaba desenvolvendo uma afeição pelo peludo que nunca consegue alcançar seu objetivo. O cômico também está por parte da contínua fascinação do Coiote pela ave. Se ele tem tantos recursos para conseguir armadilhas, não seria mais fácil arranjar algo, até com mais carne, para comer?

O desenho tem 10 mandamentos publicados por Chuck Jones, em seu livro Chuck Amonk (1989), que nunca, ou raramente, foram quebrados. Alguns deles, inclusive, já foram discutidos anteriormente.
1.O Papa-Léguas não pode sacanear o Coiote; ele só deve correr e fazer “beep-beep”.
2.O Coiote não pode ser afetado por nenhuma força externa: seu fracasso deve advir unicamente do uso de produtos Acme ou de sua própria estupidez.
3.Wile E. Coyote poderia acabar com sua caçada a qualquer momento – não fosse ele um fanático. Entretanto, ele jamais desistirá, já que está sempre certo de que sua próxima tentativa será bem sucedida.
4.Está vetado qualquer diálogo, com exceção de “beep-beep!”
5.O Papa-Léguas nunca deve deixar a estrada.
6.Toda a ação deve se passar no habitat dos dois personagens: o deserto americano. Afinal de contas, lá tem tudo o que um desenho animado precisa: estradas, montanhas, cactos, desfiladeiros… Todos eles prontos para desafiar a Física convencional.
7.Todas as ferramentas, armas e outros artefatos devem ser de origem Acme.
8.Sempre que possível, fazer da gravidade o pior inimigo do Coiote.
9.O Coiote sempre sai mais humilhado do que ferido de suas armações.
10.O público, no final das contas, é solidário ao Coiote.

Sendo um ou outro o bonzinho, a verdade é que Jones conseguiu criar algo que ficará para sempre na história da animação. Utilizando traços simples, excelentes técnicas de cinema, poucas palavras e uma pitada de loucura, criou-se um duelo que ninguém vai querer ver ter fim, muito menos as empresas ACME.

*Cleton Lopes, 22 anos, estudante do 2 Periodo do Curso de Cinema e Video da UNA

Nenhum comentário: